quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Europa revivendo a Bastilha

O limite do suportável para a plebe francesa chegou à 14 de Julho de 1789. Esse foi o dia onde os franceses foram levados a um levante armado contra o Império, destituindo Luis XVI. A França dessa época era um "Estado pobre num país rico". Reestruturada por Luis XIV, a França evoluiu em termos comerciais e financeiros, mas com o poder passando de mão em mão sem a devida competência, todo progresso foi se desfazendo. Ao tentar controlar a situação na Assembléia dos Deputados, o rei Luis XVI perdeu a paciência e dissolveu o parlamento. Isso gerou insatisfação nos deputados que acabaram inflamando a população mais pobre para o levante. Toda população pegou as armas dos soldados e foram atrás da munição que se localizava na prisão de Bastilha. Toda pólvora do exército imperial ficava na Bastilha. Muitos presos políticos que lá se encontravam foram libertados e a Bastilha ardeu em fogo.

O motivo financeiro da Revolução Francesa foi nada menos do que desemprego. Sempre o desemprego e o consequente abuso dos patrões é que geram insatisfação e revolta popular. A história se passa em círculos e de tempos em tempos, com formatos diferentes, volta à tona. Crises financeiras são diferentes, mas são todas iguais. Diferentes nas datas, no modo de vida dos habitantes, nos meios tecnológicos, mas quando ocorre pânico, os sintomas são sempre os mesmos. E as consequências também.


A Europa está se inflando, mês após mês, e a insatisfação pela falta de emprego, crescente. Os EUA também vivem seu momento crítico com o Federal Reserve perdido e sem uma política clara e única. De Fevereiro desse ano para cá, os indicadores de débitos e desempregos só pioraram.

E a Espanha continua o pior e mais complicado país. Em fevereiro, o desemprego na Espanha era de 17%, que agora em setembro bateu os 20%. O crescimento do desemprego segue a mesma dinâmica da inflação. Quando atinge um certo rítimo de velocidade de crescimento se torna "hiper-desemprego". E quem foi o culpado de tudo isso?


Olhando os dados do Banco Mundial, tomamos para análise a relação créditos dos bancos/depósitos que mede quanto de crédito tornou-se disponível nos países. O resulado dessa relação crédito/depósito de 1993 até 2008 mostra porque Espanha e Irlanda estão seriamente atingidas.

Quando essa relação passa de 1, significa que há mais crédito no país do que depósitos nos bancos. Na Irlanda, antes da crise, o número de crédito era duas vezes maior do que o número de depósitos. Ou seja, duas coisas pode-se dizer da Irlanda: (a) O dinheiro do crédito era todo especulativo e de fora do país; (b) Os irlandeses não fizeram poupança, refletindo num depósito menor do que o oferecido ao mercado.


Outro fato interessante é olhar que devido às crises da Ásia, México, Rússia, Brasil e Argentina no final da década de 1990, o crédito é bastante contido e dispara depois de 2004. O que aconteceu de 2004 até 2008? As bolsas explodiram em retornos em todo o mundo. O crédito inflou as bolsas em todos os ramos, seja ele imobiliário ou mesmo de outros setores visto que as bolsas cresceram na proporção do crédito.

E com tanto crédito assim, por que ainda existe desemprego na Europa, a ponto de greves estourarem em quase todos os países? Porque o dinheiro do crédito não foi usado na economia real para gerar emprego, e sim no mercado financeiro para rendimentos rápidos em bolsas de valores. Um olhar para antes de 2004 evidencia que as bolsas tiveram um retorno sim, mas não dependente do crédito e sim da "fantasia" das empresas "dot com". Enquanto na década de 1990 as bolsas cresceram perante a bolha das "dot com", na década de 2000 cresceram graças a bolha de crédito. E justiça seja feita, não somente ao crédito imobiliário, mas ao crédito em geral, pois todo ele foi canalizado para as bolsas.


E agora, o que fazer com o desemprego? Tudo bem, o sistema financeiro foi salvo, pelo menos momentaneamente. Então é hora de perder o medo e cobrar o pagamento do empréstimo. Todos os bancos ingleses deram lucro nesse ano. Então é hora da Inglaterra retirar o dinheiro dos bancos e canalizar no emprego. É hora da Espanha deixar de proteger os bancos e proteger a população fazendo o crédito voltar a economia real e não no mercado financeiro.

A situação não é mais difícil na Europa; ela agora é crítica. Ainda não dá para dizer que é época da Bastilha, mas até o final do ano, 20% de desempregados vão querer uma solução. O desemprego é como opção de compra na bolsa de valores. Quando cai no início, longe da maturidade, sempre há uma esperança que vai voltar. Mas quando o prazo vai apertando para próximo do vencimento o desespero começa a tomar conta e o pânico começa a atuar. A Europa está nas últimas duas semanas da maturação da opção, se nada acontecer de bom para aumentar o emprego da população, vai faltar pólvora na Bastilha financeira.

Ou já se chegou ao "point of no return" e o sistema financeiro está caminhando inexoravelmente para o precipício. Os déficits chegaram a tal ponto que os sacrifícios exigidos das populações se mostrarão tão grandes que dificilmente serão tolerados. Revoltas e revoltas, cada vez mais violentas.

Além disso e provavelmente o mais grave: a crise de confiança.

As pessoas, além de não investirem, acorrerão aos bancos para sacar seus recursos. Em um movimento de manada, isso resultará em quebradeira, num primeiro momento localizada. O fenômeno logo se alastrará, contaminando as instituições do sistema financeiro, tanto privadas quanto públicas. 


Se analisarmos o mundo como está, nada mais natural que uma mudança abrupta tenha que ocorrer. E a magnitude deste choque só será sentida daqui a algum tempo. E não ficará restrita ao aspecto econômico. Será muito mais ampla.

Mas ao olharmos para trás, aqueles que tiverem força para reconstruir o mundo a partir do aparente caos, veremos que foi tudo necessário e não havia alternativa, afinal a escolha foi feita e as consequências... bem, as consequências são os resultados de que necessitávamos e procuramos, incansavelmente, pautar nossa conduta até alcançá-los.

Agradecimentos ao Prof. Dr. Marco Antonio Leonel Caetano, autor do texto original. Os acréscimos e modificações foram feitas para atender o espírito do blog.
















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