sábado, 22 de setembro de 2007

JULIA

Partimos em disparada em nosso aeromóvel e tentamos não ultrapassar o limite de 450 milhas por hora daquela via aérea. Já passava das dez da noite e o tráfego havia diminuído bastante, proporcionando condições para manobras mais arriscadas.
Não podíamos perder tempo. O pequeno James tinha que ser submetido a uma intervenção imediata. Do contrário, resistiria alguns poucos dias.
Estava sendo muito duro para nós. Não conseguíamos compreender por que aquela criatura inocente e indefesa se encontrava em tal situação. Conhecíamos, logicamente, a natureza do problema. Entretanto, era algo mais profundo o que buscávamos.
— Você não pode ir mais rápido?
— Não há necessidade. Pelos cálculos do computador, conservando esta velocidade, chegaremos ao laboratório em sete minutos e quarenta e dois segundos. Qualquer aumento de velocidade alertará os sensores eletromagnéticos da aerovia que interromperão o fluxo de energia do motor. Se acelerarmos, levaremos mais tempo para chegar do que mantendo esse ritmo.
— Sempre preciso. O que faria sem você?
— Provavelmente nada. Agora, temos que nos concentrar em James.
— Não há mais o que fazer. Apenas os especialistas poderão nos ajudar. E a James.
— Eu sei. Tenho certeza.
— É natural. Não poderia ser diferente.
Permanecemos calados o restante do caminho. As coisas estavam um pouco diferentes. Até nossos diálogos haviam mudado. Reflexo do momento.
Chegamos ao laboratório e levamos James ao centro de exames e diagnósticos. Era uma formalidade que tinha de ser cumprida antes de qualquer intervenção delicada como aquela.
Através dos enormes vidros e com a ajuda dos monitores digitais de alta definição, acompanhávamos atentamente o que acontecia a James. Instintivamente, demos as mãos. Outro ato que não combinava conosco, inconcebível até pouco tempo. Entretanto, Julia pareceu não perceber, absorta que estava nas imagens que chegavam da sala central, onde o exame prosseguia. Algum tempo depois, o chefe da equipe veio até nós. Seu semblante denotava preocupação.
— Então? Pode ser feito algo? — perguntei.
Percebendo nossa aflição, doutor Zach começou a explicação.
— O caso é complicado. Analisamos todas as possibilidades e só há uma alternativa.
Escutávamos apreensivos. Temíamos a confirmação das nossas piores expectativas. Já não estávamos de mãos dadas. Naquele momento eu e Julia nos abraçávamos, chocados e emocionados de uma forma inédita.
Assim que o Dr. Zach terminou a explanação deixou-nos a sós. Precisávamos digerir tantas informações e nos fechamos em uma sala mais reservada.
— E agora? O que faremos?
— Não nos resta alternativa. Ele necessita de um implante e só eu posso doar.
— Mas será fatal...
— Eu sei.
E assim que proferiu essas palavras, Julia abaixou a cabeça. O que presenciei a seguir me deixou perplexo. Apesar dos programas que simulam emoções estarem cada vez mais desenvolvidos, pela primeira vez vi um andróide chorar.
James era um andróide criança. Moderno, porém com componentes antigos, sofria uma incompatibilidade entre seus chips. As funções vitais não eram controladas perfeitamente e os exames mostraram que apenas um chip específico poderia evitar o colapso do sistema. Entretanto, tratava-se de um dispositivo raro, usado em pouquíssimas unidades Beta-5 e já desaparecido do mercado. Nem mesmo a tecnologia utilizada estava mais disponível.
Resignada, Julia levantou-se e caminhou em direção à porta da sala. Parou, fitou-me nos olhos e disse um adeus melancólico, com sentimento, somente visto em mulheres de verdade. Não que ela não fosse. Pelo contrário. Julia era mais mulher e mãe que a maioria dos seres humanos do sexo feminino. Sabia que não poderia continuar vivendo depois que seu chip central fosse retirado e implantado em James e, mesmo assim, não se importava. Ela o amava como a um filho de verdade. Para sempre estaria longe de mim e de James, mas Julia transcendera a condição de um organismo cibernético para transformar-se em uma criatura divina, completa, cheia de amor e entrega, sacrificando-se pelo filho sem hesitar por um só instante.
Hoje, James está perfeito e sempre me pergunta a respeito de Julia. Sinto muita falta dela e acho que ele também, apesar do pouco tempo que passaram juntos. Conto histórias sobre nós e como ela foi corajosa em se sacrificar por ele.
Felizmente, ele não se sente culpado pelo destino que coube a ambos. Quanto a mim, presenciei um milagre: uma máquina derramar lágrimas de emoção é daquelas coisas que só o amor torna possível.

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